quarta-feira, 11 de novembro de 2009

BOAVISTA, UM OLHAR DE FORA

De bem longe estendo um olhar atento, enquanto cabo-verdiano, aos homens e mulheres das Dunas que se reúnem, ao ritmo das mornas, para mandar mantenhas aos que tiveram de partir na esperança de poder encontrar uma vida melhor e, por conseguinte, esquecer a vida agreste que a natureza teimosamente lhes emprestou. Assim também, estendo os meus braços àqueles que têm sabido gritar incessantemente contra a “tirania democrática”, bem como contra todos aqueles que, sem soluções, travam o desenvolvimento da ilha, optando pelo silêncio para encobrir o estado de paralisia que tem invadido Boavista. Decorridos dois mandatos à frente do município, a Câmara do MpD e seu presidente já deram sinais de sobra de estarem esgotados, estoirados e fatigados e de não terem mais nada a oferecer à ilha, mas por ironia do destino, e de forma sorrateira continuam, a deambular perdidos nas arreias sem ideias e sem projectos para acompanhar o ritmo de desenvolvimento que a ilha deve ganhar, sobremaneira, com a abertura do novo Aeroporto Internacional, do Centro de Saúde e alguns complexos hoteleiros e ainda mais infra-estruturas que melhoram a vida dos boavistenses.

Há quem diz que a ilha está parada a ver navios, de outrora encalhados no porto, a vaguear lentamente ao ritmo do vento por um lado, e, por outro, a assistir o espectáculo do crescimento imparável das “barracas” à moda “boavistense”, botando culpas na incapacidade da equipa camarária. Desgraçadamente, as aludidas barracas encontram-se torneadas de pântanos de água e expostas às doenças intrínsecas a essas situações, enquanto o governo local, sem alternativa, revela-se incapaz e impotente de socorrer aos moradores dessas barracas. O pequeno lago surgido naquela localidade reflecte de per si o estado de abandono, e a pouca vontade política da Câmara do MpD na ilha de resolver de vez esse problema. Para quando o término das barracas na ilha das Dunas é uma incógnita cuja resposta aproxima-se do menos infinito. Mas pergunta-se se os orçamentos da Câmara, na rubrica Despesas de Capital, sobretudo nos Projectos de Investimentos ou outros, não têm contemplado verbas para construir casas dignas e, consequentemente, erradicar as ditas barracas de forma a devolver a dignidade aos seus moradores?

Nos últimos cinco anos, a Câmara da Boavista recebeu do Governo, via Fundo de Financiamento Municipal, os seguintes montantes: 52.666.000.00 (cinquenta e dois milhões, seiscentos e sessenta e seis mil escudos) em 2005, 53.440.490.00 (cinquenta e três milhões, quatrocentos e quarenta mil, quatrocentos e noventa escudos) em 2006, 53.782.286.00 (cinquenta e três milhões, setecentos e oitenta e dois mil, duzentos e oitenta e seis escudos) em 2007, 64.732.980.20 (sessenta e quatro milhões, setecentos e trinta e dois mil, novecentos e oitenta escudos e vinte centavos) em 2008 e 75.507.883.00 (setenta e cinco milhões, quinhentos e sete mil, oitocentos e oitenta e três escudos milhões de escudos) em 2009. Se a esses montantes adicionarmos as receitas próprias da Câmara, os empréstimos bancários, parte das receitas extraordinárias, assim como as provenientes via cooperação internacional, acredito que haverá e há margem suficiente para que uma boa quantia desses montantes fosse destinada a resolver os problemas das ditas barracas. Por exemplo, se a Câmara tivesse anualmente colocado apenas dez por cento do total das receitais orçamentadas, ou seja dois por cento do fundo de financiamento municipal, três por centos das receitas próprias da Câmara, três por cento das receitas extraordinárias e dois porcento das receitas provenientes da cooperação internacional ou dos empréstimos bancários, à disposição de um projecto para a erradicação das barracas, hoje Boavista estaria livre dessa praga e a população das aludidas barracas estariam a viver com a dignidade almejada. Esperamos que o orçamento de 2010 tenha em conta essa situação. Importa salientar a Câmara recebeu ainda do Governo através do contrato programa, nos últimos anos, mais precisamente em 2007, 2008 e 2009, respectivamente os seguintes montantes: 18.252.052.00 (dezoito milhões, duzentos e cinquenta e dois mil, e cinquenta e dois escudos), 13.000.000.00 (treze milhões de escudos) e 6.500.000.00 (seis milhões e quinhentos mil escudos). Será que desses montantes nenhum centavo foi encaminhado para a problemática das barracas? Que falta de vontade política!

Relativamente aos orçamentos da Câmara, sobretudo no capítulo de investimentos, nos últimos três anos foram orçados vários milhões de escudos mas a taxa de realização dos mencionados investimentos é tão baixa indiciando que a letargia vem abraçando definitivamente a edilidade boavistense. Por exemplo, em matérias de construção de infra estruturas para o desenvolvimento da ilha não se vislumbra nada e as únicas obram existentes e em curso são do governo central posto que o governo local está perdida e sem projectos para desencravar a ilha e consequentemente tirá-la do marasmo a que foi condenada produto da incapacidade da equipa do MpD que governa a ilha por um lado, e, por outro, devido a falta de vontade política.

No que tange á vida cultural a ilha encontra-se bloqueada e em estado de choque produto da ausência de uma agenda cultural, peça crucial para dar corpo ao processo de desenvolvimento local. As mornas e as belíssimas noites de serenatas e tantos outros momentos culturais que caracterizam esta ilha praticamente evaporou-se ao desaparecer a agenda cultural. Nesta senda, artistas como Taninho, Tututa, Abel Lima, e tantos outros artistas da Boavista devem estar preocupados e a questionar o porquê desse retrocesso cultural. A vida cultural, infelizmente, tem-se cingido apenas a dois festivais. Que imaginação cultural infértil! De igual forma, em matérias de políticas sociais a postura da Câmara tem sido crónica e para se esquecer. A existência ainda das barracas na ilha é prova inequívoca da antipatia e falta de politicas sociais da Câmara do MpD na ilha. Basta analisar, com o cuidado que se requer, o balanço social para se entender e compreender a ausência dessas políticas por um lado, e, por outro, a apatia da Câmara do MpD na ilha das dunas.

Outrossim, a juventude “boavistense”, face a ausência de programas e projectos criativos, pragmáticos para desencravar a ilha e devolver a alegria de outros tempos aos jovens, clama, de forma incessante e com urgência, por uma postura competente, mais activa e criativa para salvar a ilha. È pena que, queiramos ou não, Boavista encontra-se atracado, sem dias de largada, num marasmo profundo, sendo a Câmara do MpD a principal responsável.

Boavista reclama, nos dias de hoje, por uma gestão técnica prudente, mas dinâmica, onde o “open mind “será uma das bitolas do desenvolvimento da ilha, pela definição de uma política consentânea com a nova época, em que o turismo é promissor e o prato de todos os dias. Perante esse cenário de letargia, é que o presidente da Câmara municipal se sentia há bem pouco tempo, todo poderoso e dono do município, com direitos especiais, chegando mesmo a lançar ameaças de “sovas” a deputados municipais que, no cumprimento das suas obrigações, respaldadas pela lei que define e orienta a postura municipal, lhe atravessavam pelo caminho. A hora não é de briga, mas sim de muito trabalho. É preciso juntar forças para que a ilha desenvolva.

Euclides Eurico Nunes de Pina

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