terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ORÇAMENTO COM ROSTO HUMANO

Notícias da Casa Parlamentar deram conta da aprovação final do Orçamento do Estado para 2010, como sempre, com votos “ não” do MpD. Tanto para muitos dos conterrâneos, como para mim não foi surpresa a sentença que tem sido essa posição do Movimento para Democracia desde a votação do primeiro orçamento levado pelo PAICV para o Parlamento. Desta não seria diferente, faltava fechar o ciclo de bloqueio orçamental iniciado em 2001. Mesmo assim a minha ansiedade era grande ao ponto de seguir de perto o debate que deu no que deu. Concordo com os que ousam dizer que o debate ficou uma vez mais adiado.

Ao invés de se discutir o Orçamento do Estado com propostas alternativas, o maior partido da oposição refugiou-se nas velhas e maquiavélicas “estórias” tradicionais, furtando-se à discussão técnica do orçamento. Que pena, coisas da “democradura”! Sinceramente, que qualquer um fica chocado, já que tudo vale menos os argumentos relacionados com a técnica orçamental. O MpD nas suas dissertações filosóficas procura passar a mensagem de que houve falhanço nas políticas económicas do Governo que previa o crescimento económico de dois dígitos e a redução do desemprego a um dígito.
Não dá para acreditar que entendidos na matéria deixam-se embalar cegamente pela política e se esquecem do fundamental. É mister lembrar que o mundo conheceu ultimamente períodos conturbados, produto da crise internacional e que possui características peculiares, cujos efeitos devastadores fazem lembrar as peripécias da crise de 1929.

Como é sabido, recentemente o mundo entrou em recessão económica e, consequentemente, as previsões económicas e financeiras ficam descabidas e sem sentido técnico e económico. Basta analisar as previsões de outras paragens, para se aperceber da dimensão dos danos que esta crise tem vindo a provocar. Milhões de trabalhadores perderem os seus postos de trabalho por um lado, e o desenvolvimento e o crescimento económicos de vários países ficaram comprometidos e como corolário os países mais desenvolvidos tiveram que reajustar obrigatoriamente as suas projecções iniciais.

Alguns estudiosos da doutrina económica defendem com veemência que esta crise pôs em causa a veracidade de várias teorias e teses económicas de outrora. Assim, urge encontrar novos postulados teóricos para explicar, nos dias de hoje, o fenómeno de desenvolvimento e crescimento económico. Assim sendo, é estranho que o MpD todavia continua a insistir dizendo que o plano do Governo falhou, esquecendo-se ou ignorando simplesmente que esta crise mundial alterou tudo. Quer queiramos, quer não, a crise económica e financeira mundial tem os seus impactos na economia cabo-verdiana.

Outrossim, é difícil entender a “estória” que conta o MpD acerca da problemática do desemprego no país. Como se sabe, o desemprego em Cabo Verde é um problema estrutural e não depende apenas da vontade e boas intenções do governo. A complexidade do fenómeno do desemprego requer um profundo estudo, enquadrado nas grandes opções macroeconómicas do país, como forma de se procurar as soluções possíveis. Não existe milagre. Talvez a oposição possui a receita, mas livre de nós as da década de noventa. Por exemplo, na Europa a taxa de desemprego é de 9,7%, com destaque para Portugal, Alemanha, Espanha, Reino Unidos, Estados Unidos de América, América Latina e África de Sul onde a taxa de desemprego situa-se, neste momento, a volta de 9,8%, 7,8%, 9,5%, 7,9%, 9,8%, 9,0 %, e 23,6%, respectivamente.


Neste quadro, como é possível reduzir a taxa de desemprego a um dígito no momento que a nível internacional a tendência é para o agravamento da situação. A taxa de desemprego actualmente a nível internacional tende-se a disparar e as projecções para o próximo ano caminham nesse sentido. Como se costuma dizer, “ora ki bentu panha pilón, ka bu pergunta pa balai”. Sinceramente que não dá para compreender a lógica analítica do MpD, bem como os objectivos que persegue com essa cobrança. Muito pior ainda é a interpretação que os ventoinhas tem estado a fazer acerca do factor competitividade. È mais do que sabido que a competitividade de um país não se ganha num processo “over night”, muito menos via decretos-leis. De igual modo, a competitividade nunca deve ser vista apenas no quadro orçamental e sobretudo no orçamento de um ano. A competitividade é resultado de um processo dinâmico e sistémico ao longo de vários anos, mediante planos estratégicos arquitectados, com todo o cuidado e rigor, para o efeito.

Dizer que o orçamento do próximo ano não reflecte as políticas que favorecem a competitividade do país é prova inequívoca de que o MpD anda perdido. Não obstante a leitura tendenciosa do orçamento, para o próximo ano prevê-se em termos de dinamizar o factor competitividade o montante de 2.303.874 contos, distribuídos para os diversos sectores, tais como o da pesca (194.899.contos), da agricultura (1.592.753 contos), do turismo (143.671 contos.), do comércio (102.000 contos), da indústria (10.000 contos), do sector privado (245.168 contos) e da regulação (14.850 contos). Convêm lembrar que o próximo orçamento do Estado contempla uma significativa redução das receitas fiscais como forma de estimular o sector privado e as empresas.

Uma outra vertente de capital importância que ressalta à vista no Orçamento do próximo ano é a dimensão social, manifestada através da coesão social. A coesão social orçada em 1.563.945 contos abrange a segurança alimentar, habitação social, que por sua vez contempla entre outros a operação esperança (88.000 contos), apoio a famílias carenciadas para reabilitação de habitações (65.000 contos) e incentivos a arrendamentos (5.000 contos), pobreza e protecção social, cujos montantes ascendem a 28.000 contos, 176. 200 contos, 790.310 contos, 569.435 contos, respectivamente. De salientar que a protecção social inclui por exemplo, o apoio a famílias carenciadas com o montante de 55.000 contos e as pensões sociais cujo montante ascende a 386.000 contos. Outrossim, a formação profissional, enquadrada no capital humano, mereceu um destaque especial com o montante de 572.372 contos.

Uma análise técnica e não político-partidária permite inferir que o orçamento para o próximo ano responde às expectativas traçadas para um país que começou a fazer história no capítulo da transparência e seriedade na gestão do erário público. Também, o pendor social está bem vincado, o que só demonstra o engajamento do actual Governo na resolução dos problemas sociais que todavia persistem e na melhoria das condições de vida dos cabo-verdianos. Quer queiramos ou não, o presente orçamento ao atribuir uma atenção especial aos problemas sociais está caracterizado pela forte dimensão humana o que lhe confere o rosto humano.
Euclides Nunes de Pina

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