sexta-feira, 20 de novembro de 2009

REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO PARALISADA

A nossa Constituição, enquanto lei fundamental da República, de acordo com alguns juristas, precisa urgentemente de uma profunda revisão, visando a obtenção de um novo texto constitucional para que esteja em sintonia com o processo de desenvolvimento do país por um lado, e, por outro, entrar nas esteiras das constituições modernas. As últimas mexidas aconteceram há cerca de dez anos e nesse lapso de tempo nem vale a pena dizer que muitas coisas mudaram e muitas experiências também foram acumuladas o que se conclui que efectivamente a nossa Constituição precisa de se adaptar às necessidades de momento. Depois de algumas tentativas vãs, finalmente deu-se o ponta pé de saída com o fito de se proceder ao processo de revisão constitucional com três propostas, sendo uma do PAICV, outra do MpD e a terceira do Deputado do MpD, Humberto Cardoso, embora este último tenha desistido da corrida. Assim, foi constituída a Comissão Eventual de Revisão Constitucional formada por representantes dos partidos com assento Parlamentar e começaram os trabalhos com vista à busca de consensos. Desta feita, o barco parecia estar preparado, com todos os condimentos necessários e imprescindíveis, para se iniciar uma longa viagem que levaria os proponentes ao porto de entendimentos.
Não obstante as vontades demonstradas no decorrer da viagem, por espanto e desencanto de todos, desgraçadamente, o parou de andar. È que os navegantes, quiçá por razões de fórum ideológico, não se entendem e cada um “ puxa brasa para sua sardinha”. Não é que um “grupo especial” resolveu, unilateralmente, deixar o barco atracado no alto mar e entregue à sorte das ondas perdidas. Que pouca sorte! Não é preciso ser licenciado, mestre, doutorado em ciências jurídicas e muito menos consultor jurídico, professor universitário e ou constitucionalista experimentado para se aperceber que a revisão da nossa Constituição está parada no tempo. Para os homens do MpD não vão continuar a prometida viagem, que terminaria na revisão constitucional, visto que, no entender dos mesmos, as anomalias emergentes das discussões havidas são gritantes, irreconciliáveis e incapazes de serem superadas. As tendências verificadas conducentes à politização da carta magma são empecilhos que, no dizer desesperado dos ventoinhas, determinaram o término da viagem e o regresso forçado dos marinheiros ventoinhas porque a outra parte, o PAICV, de acordo com o MpD, quer levar, custe o que custar, a água para o seu moinho. Será mesmo? No meio dessa barafusta confusão entre métodos e metodologias de revisão fiquei completamente perdido quando apercebi das razoes evocadas pelo MpD adstritas à desistência da viagem. Dizer apenas que o PAICV quer: controlar o Poder Judicial através de políticos designados pelo Presidente da República e o Parlamento; manter o Supremo Tribunal de Justiça sob vigilância política do Presidente da República; que o Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial seja um Juiz comprometido com o sistema partidário; marginalizar a Assembleia Nacional no processo de nomeação do Procurador Geral da República e deixar o Governo e o senhor Presidente da República de mãos livres para poder escolherem alguém que tenha a Magistratura do Ministério Público sob absoluto controlo político, julgo que não são argumentos convincentes para se por término ao processo negocial da revisão constitucional do país. Essa viagem nunca devia ser interrompida, pois os superiores interesses do país não devem funcionar como meras funções lineares partidárias. A nossa constituição, atrasada ou não, merece ser respeitada por todos os crioulos e sobremaneira por aqueles que utilizam a batina de políticos. Que coisa mais ridícula! Cabo Verde, quer queiramos ou não, é mais importante que os interesses e orgulhos esquivos de qualquer partido político, independentemente se é da oposição ou da situação. Será que qualquer processo de revisão e reforma nesta terra só terá sentido se o MpD estiver poder? Desde bem cedo aprendi que num processo negocial deve haver cedências de ambas as partes intervenientes. Será que houve cedência alguma? De que lado? Ou será que houve tentativas de imposição técnica de uma das partes? Doutoramento em excesso, minha gente! Reitero que o interesse nacional é a bandeira que deve orgulhar-nos sempre e como tal não deve ser beliscado por causa dos caprichos egoístas do partido Alfa, Beta ou Gama. Realmente, fiquei meio perdido e estupefacto ao ouvir as justificações apresentadas pelo o MpD e desse modo algumas dúvidas começaram a visitar-me com frequência. Que pena! Porém, as minhas dúvidas dissiparam-se ao ouvir o próprio Dr. Eurico Monteiro, deputado do MpD, a reconhecer que afinal as razões não estavam todas do lado do MpD. Com isso, é o próprio MpD, na pessoa desse deputado ventoinha, que reconhece que a sua atitude foi precipitada e arrogante e que não tem sido a melhor solução encontrada. Assim sendo, concluo que: i) o MpD esteve a querer enganar aos cabo-verdianos com a estória da politização das discussões; ii) o MpD não está interessado na revisão da constituição; iii); o MpD não disse a verdade acerca da sua retirada estratégica. Para um bom entendedor as favas estão bem contadas quanto aos motivos que nortearam o abandono do barco. Continuo na minha de que os interesses do país estão acima dos interesses de qualquer partido político e também entendo e que não havia razões de fundo para que a viagem da revisão da constituição do país fosse suspensa. Sinceramente, que esperava ouvir tantas e outras justificações e argumentos, mas não essas. No entanto, espero o que o bom senso volte a reinar e que os políticos se entendam porque foram eleitos, bem ou mal, para tentar resolver os problemas do país e não para criar problemas com base nos pressupostos ideológicos, lesando o interesse comum, que é Cabo Verde. Que procurem participar na resolução dos problemas que afligem o país não obstante a vossa diferença ideológica, porque não é possível que dez anos passaram sem que se tenha mexido uma palha, quando em outras questões já “ rabidaram” mundo e fungos à procura de entendimentos. As discussões, às vezes inoportunas, relacionadas com esses e outros processos políticos me faz lembrar, um pouco, do que se convencionou chamar “dos cincos defeitos da democracia Ateniense”. Nesta perspectiva, é legítimo questionar se a nossa não padece de nenhum defeito. Com a noticia de que as velas serão içadas de novo para que o barco dê a sua largada, faço votos que cheguem, desta vez, ao porto pretendido e que desembarquem com as novas indumentárias para e da constituição. De igual forma, almejo que o barco não sofra mais nenhum furo ao longo da travessia para a revisão constitucional. Infelizmente, a minha esperança foi sol de pouca dura com o abandono definitivo do barco no cais de ver partir sem dias de largada. Que falta de respeito para com o povo de Cabo Verde. O povo destas ilhas merece ser tratado com dignidade e respeito. Um novo texto constitucional é tudo que o povo destas ilhas quer e não “frondas” políticas. Espero que agora, face as novas intenções manifestadas, o barco chegue ao porto de destino. Oxalá que nenhum marinheiro desembarque antes de concluir a viagem de forma a que tenhamos a almejada revisão.

Euclides Nunes de Pina

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