sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

VIAGENS NO TEMPO (I)

Face à avalanche de argumentados tóxicos dissecados ultimamente no país, senti convidado a viajar no tempo de forma a compreender, com a serenidade que se requer, os meandros de certas epopeias que tiveram lugar no nosso país. Nessa viagem rouca, não houve tripulantes incómodos, pois o silêncio era a nota dominante e o companheiro solitário das longas jornadas. No decorrer da viagem pude aperceber que o silêncio foi a metodologia adoptada para, encobrir ou guardar a sete chaves os factos emaranhados que aconteceram infelizmente nessas ilhas afortunadas. Foi assim que descobri que determinada tempestade foi bem pintada e com cores suaves, transmitindo a ideia de um olvido silenciado.

Essa viagem longa foi idêntica a entaladela da vida provocada por turbulências estultas equiparada a um raio sereno que ilumina de forma fiada os momentos conturbados da aljôfar humana nos dias de hoje e que podem ser medidos pela dimensão e seriedade dos factos que a própria vida procura encobrir nos períodos de cinzas. Tudo foi em silenciado e determinado pelos sulcos agrestes que as manhãs serenas repletas de consciências confusas e opacas transferem para os dias conturbados de uma imaginação infértil. Quiçá, no âmago dessas contestações dissimuladas reside a essência dos momentos incompletos e intermináveis que visam obscurecer mentes restituídas ao olvido. Depois de uma passagem ressequida, sem novidades alarmantes mas esquisitas, detenho-me a procurar entender a essência das trovoadas políticas que ocorreram na minha terra prenhes de incongruências na percepção do dia de ontem. Nessa esteira alguém parece ter perdido, sem pretensões confessas, a sua memória.

Infelizmente, nessa viagem pude aperceber que um determinado partido político, cujo norte ficou além fronteiras, parece padecer da memória ao ponto de se fingir olvidar o quadro negro do país que deixara na década de noventa onde os reis, mesmos sendo carnavalescos, não possuíam coroa. Nesse período de angústias infinitas, as noites sem luzes e os dias negros produtos de apagões sistemáticas e assustadores se entrecruzavam na melodia apagada pelo grito de desespero de vozes confusas e baptizadas no limiar da transparência engavetada. Naqueles dias turvos de escândalos tudo parecia mergulhado num rio de sossego assombrosos. Quem não se lembra das ondas turvas na qual a transparência era confundida com escândalos semeados e ou importados. É nessa praça de gente ignorada que, nos doirados anos de uma década mal pintada e ou sonhada, um estrelado, brilhando com as suas luzes ofuscas, por não ter contas a prestar a ninguém, não comprou apenas aquilo que não afigurava nas prateleiras. Que rareza encoberta pela voz estremecida da democracia moderna que dizem nos teria visitado recentemente.

Outrossim, sobre uma mesa bem requintada e recheada de transparência mil estava a espreita, e sem hora marcada, navios repletos de tudo e nada mas perdidos desesperadamente ao lado de um ilhéu onde outrora famintos cruzaram os braços para decididamente olharem, em soluços, para o horizonte débil quando todavia a papelada era virgem. Quão foi a surpresa dos homens da Casa Grande ao descobrirem que afinal a virgindade não havia sido desfolhada. Todavia, nessas noites confusas e silenciosas centenas de famílias cabo-verdianas tiveram o privilégio triste de assistir o espectáculo dourado dos postos de trabalhos envoltos numa caixa de lixo enquanto que barrigas quase que famintas despontavam num mato onde o respeito pelos demais era cantiga duma serenata sem melodia. Foi durante essa viagem que se presenciou o inicio da morte lenta e fatal de uma das maiores empresa que o país alguma vez conheceu. Quem não se recorda tristemente da morte forçada e antecipada dessa empresa, o que desembocou no desemprego de centenas de trabalhadores chefe de famílias. Ao pisar as calçadas esfarrapadas da aludida empresa lancei um olhar endiabrado à procura do paradeiro dos escudos que a referida empresa depositara numa conta especial com o fito de ser accionista de uma outra empresa do país. Ao ritmo de uma melodia especial, esse montante evaporou-se da conta especial por obra especializada, cujo autor intelectual pungiu as portas sem que sulcos azedos tivessem direito a voz e vez.

De igual forma, ao viajar pelos portões das repartições públicas da minha cidade, pude ouvir, com a paciência recomendada, as “estorietas” ingratas de uma Direcção Geral que foi condenada, durante vários anos, a trabalhar com uma tecnologia de ponta, como dizia os mais “sabidos”, emprestada a prazo e que reclamava por visitas permanentes e constantes dos menos distraídos. Sinceramente, os chips ou “tchicos”, enquanto segredo estranhos, eram sempre transportados numa malinha ad hoc, como dizem os mais espertinhos, habituados a essas paragens, de forma a evitar sobressaltos bruscos no funcionamento do sistema que por vezes e de forma semanal ficava mesmo bloqueada. Quem não se lembra desse processo meio esquisito em que a Direcção Geral de Contribuições e Impostos esteve embrulhada até a exaustão. A transparência amassada no forno desses chips reflecte a pureza e a justeza de que tudo foi feito de forma silenciosa.

Como normalmente os ovos são tragados com uma certa porção de sal e por forma a dar mais brilho e clarividência da transparência desses ovos cozidos nos fornos de quem sabe criteriosamente seleccionar a natureza dos ingredientes que vão para a panela, os cartões ditos de eleitores, que por sinal não exigem dose alguma de sal especial, foram transportados numa dita malinha de viagem e por um “Stranger”, turista ou não, como se de uma encomenda de “camoca mal passada” se tratasse. Parece que a transparência cantada e muito bem compassada nesse imbróglio morreu de inveja no cadeirão de “laisser faire e laisser passer”.

O crioulo que tem por hábito andar sempre atento às mornas mal interpretadas e aos batimentos descompassados das violas mudas, teve que pernoitar, vezes sem conta, para decifrar os devaneios milagrosos do processo de privatização de uma certa empresa. Quem leu, ouviu, chorou, cantou e desencantou, com a paciência encomendada, deve ter apercebido que parceiros com iguais quotas e notas desembolsaram, em silêncio, moedas desiguais para suster o valor diferenciado das aludidas quotas.

Como cabo-verdiano, gosto de saborear os deliciosos pastéis de milho dessas terras e sobremaneira os “Made” em São Domingos. Mas, não é menos verdade que qualquer crioulo gostaria também de deleitar das riquezas naturais que as bananas de Santa Cruz nos oferecem, não obstante a condição de serem orgânicas, inorgânicas e ou artificiais. Nessa valsa, sinto saudades e farto estou de fome das bananas orgânicas de Nhu Santiago. Numa pequena passeata pelas terras onde Nho Almeida Henriques fora dono de tudo, legítimo ou ilegítimo, o matagal de bananeiras me fazia reviver os pesadelos do malogrado projecto de bananas que quiçá por descuido atento se evaporaram numa obra mágica. Isso leva-me a pensar que naqueles tempos se vivia numa república das bananas onde a comandância do barco era entregue a ninguém visto que o primeiro comandante teria falecido na travessia do oceano das transparências imaginadas.

Euclides Eurico Nunes de Pina

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