domingo, 11 de outubro de 2009

CÂMARA MUNICIPAL DA PRAIA E UM ORÇAMENTO DOENTIO

O orçamento para 2010 da Câmara Municipal da Praia é uma grande desilusão. Como sempre, quiçá pelo osso do ofício, sinto-me atraído pela análise técnica e apolítica dos orçamentos municipais e em particular o da nossa Praia Maria. Na verdade o que obriga a dividir com os caros leitores, sem abusar da vossa paciência, é o facto do executivo da Praia ter afirmado que o orçamento para 2010 da Câmara foi elaborado com base na econometria (ciência que combina análise economia e estatística). Esta foi uma das razões que me obrigaram a ler profundamente o documento para conhecer o tal “modelo orçamento”, e consequentemente encontrar o numero de equações que o modelo contempla, o número de variáveis exógenas e endógenas, o comportamento do “standard deviation”, e do coeficiente de determinação (“R” square), do ajustado “R” quadrado (Adjusted R Square), entre outras variáveis. Outrossim, fiquei à espera de poder saber se esse modelo deparava com problemas de “multicollinearity”, de “heteroscedasticity” ou de “auto correlação”.

Sem muita lida pude constatar que as técnicas econometricas não passaram por esse orçamento e como corolário algumas dúvidas brotaram instantaneamente. Normalmente, a prudência aconselha aos mais espertinhos a não usarem essa táctica, desprovida de qualquer sentido económico e financeiro, apenas para embelezar o discurso de ocasião e enganar os mais distraídos.

Um outro ponto que me chamou a atenção, logo à partida, é a questão do Plano Ambiental Municipal (PAM). O Senhor Presidente da Câmara Municipal da Praia, assim como todo o mundo sabe, o PAM surgiu num determinado contexto e actualmente não existe, visto que o projecto que sustentava esse programa chegou a seu término desde o primeiro trimestre de 2008. Portanto, não se compreende a teimosia do executivo camarário em apresentar nos orçamentos (de 2009 e 2010) essa rubrica, com o mesmo montante dos anos anteriores. Para 2010, o orçamento da Câmara da Praia traz a mesma verba, ou seja 14.000.000.00 (catorze milhões de escudos) como receita do PAM. O mais correcto, neste caso, é o executivo mandar deduzir o supracitado montante, que foi incluído erradamente, no capitulo das receitas correntes do presente orçamento.

Outra questão não menos importante tem a ver com rubrica “Contrato Programa” orçado em 10.000.000.00 (dez milhões de escudos). Que brincadeira de mau gosto, Sr. Presidente. Seria bom que explicasse aos praienses se chegou a assinar com o governo algum contrato nesse valor, bem como os motivos que o levam a bater na mesma tecla, já que há cerca de três anos que o município da Praia não assinou nenhum protocolo no âmbito do contrato programa. Esse contrato não existe e é uma ilusão e pura falsidade técnica incluir esse montante no orçamento. Assim, está-se na presença de uma situação de deficit orçamental. Citando apenas estes dois casos, é notório a existência de um deficit orçamental na ordem dos 24.000.000.00 (vinte e quatro milhões de escudos) no capítulo das receitas, o que viola flagrantemente a maioria das regras orçamentais, e sobremaneira a do equilíbrio orçamental.

Por outro lado, é bom lembrar que legislação que regula o sistema de segurança social em Cabo Verde estabelece que as entidades patronais devem contribuir mensalmente com quinze por cento (15%) dos salários brutos dos seus trabalhadores/funcionários com o propósito de cobrir os encargos sociais, enquanto que os trabalhadores entrarão com oito por cento (8%) dos seus salários, o que perfaz um total de vinte e três por cento (23%). O orçamento para 2010 da CMP, na parte que diz respeito aos encargos com a segurança social, torna evidente que os montantes previstos por Direcções de Serviços e Gabinetes não correspondem, nem de longe e nem de perto, aos quinze por cento dos ordenados/salários. Por isso, existe uma diferença abismal entre o valor patenteado no orçamento da Câmara e o valor que deveria ser orçado. Nesta óptica, às despesas correntes deve-se adicionar o valor que não foi contemplado no orçamento e que ascende a 22.195.058.00. (vinte e dois milhões, cento e noventa e cinco mil e cinquenta e oito escudos). Assim, está-se na presença de um outro défice orçamental e desta feita causado pela “sub orçamentação” das despesas correntes.


Resumindo, feita as observações pertinentes, torna-se patente que o orçamento da CMP para 2010 padece de um défice orçamental na ordem dos 46.195.058.00 (quarenta e seis milhões, cento e noventa e cinco mil, e cinquenta e oito escudos) conforme o quadro abaixo descriminado, défice esse que está escamoteado devido à “sobre orçamentação” das receitas de capital mais precisamente nas rubricas Fundo Ambiental Municipal e Contrato Programa no montante de 24.000.000.00 por um lado, e, por outro, “à sub orçamentação” das despesas correntes em 22.195.058.00, na rubrica contribuição para a segurança social. Trata-se de um orçamento falso, que não reflecte a realidade e muito menos a verdade orçamental.



De igual forma, o comportamento da rubrica “Remunerações Diversas”, tida normalmente como residual, não obstante os argumentos díspares, é bastante preocupante já que indicia que a mesma não foi orçada, mas sim enchida com valores atirados arbitrariamente sem o mínimo de rigor técnico. O mais ridículo é que várias direcções de serviços e gabinetes, nomeadamente o Gabinete de Informação e Comunicações, Gabinete de Apoio aos Vereadores e Gabinete Jurídico afiguram com o mesmo montante, ou seja 544.900.00 (quinhentos e quarenta e quatro mil e novecentos escudos) numa pura obra de “copy and past” descorando as técnicas orçamentais. No entanto, a Direcção de Promoção e Desenvolvimento da Cultura bateu o recorde com o montante de 10.010.328.00 (dez milhões, dez mil, trezentos e vinte oito escudos): Pergunta-se, para remunerar o quê e quem? Absurdo, não é!

Relativamente aos empréstimos de médio e longo prazo, o montante previsto ascende a 1.075.000.000.00 (um bilião, setenta e cinco milhões de escudos), sendo 600.000.000.00 (seiscentos milhões de escudos) para empréstimo obrigacionista, 300.000.000.00 (trezentos milhões de escudos) para novos empréstimos bancários a serem contraídos e ainda 175.000.000.00 (cento e setenta e cinco milhões de escudos) de empréstimos bancários após o saneamento financeiro e regularização das dívidas provenientes da década de noventa.

Na linha dessa política expansionista e desenfreada direccionada para a contracção de dívidas e, consequentemente, a hipoteca do município, tenho enormes reservas quanto à capacidade financeira da Câmara para honrar os seus compromissos. Convém precisar que o montante das prestações a pagar pela Câmara no quadro desse orçamento ascende a 106.024.078.00 (cento e seis milhões, vinte e quatro mil e setenta e oito escudos), dos quais 69.875.0000.00 (sessenta e nove milhões, oitocentos e setenta e cinco mil escudos) vai para juros bancários (encargos financeiros) e 36.149.077.00 (trinta e seis milhões, cento e quarenta e nove mil e setenta e sete escudos) vai para a amortização do empréstimos, o que difere substancialmente dos dados apresentados no orçamento pela Câmara. Pode-se questionar de novo o problema do défice orçamental já que esses encargos foram omissos neste orçamento por incúria da Câmara. Onde está o princípio da especialização do exercício quão importante na gestão financeira e que não deve ser negligenciado sob pena de se ferir a gestão financeira da Câmara?

O mais grave ainda é o caso dos investimentos, cujo montante ascende a 1.635.382.819.00 (um bilião, seiscentos e trinta e cinco milhões, trezentos e oitenta e dois mil e oitocentos e dezanove escudos). Ao tentar compreender a natureza e os mecanismos utilizados para orçar os investimentos, uma questão salta à vista. É a taxa de realização dos investimentos previstos para 2009. Como se sabe, os investimentos previstos para o ano ainda em curso está muito aquém do preconizado e situa-se à volta dos vinte por cento. Neste quadro, não se compreende o volume exorbitante dos investimentos para 2010.

Um outro pecado grave desse orçamento tem a ver com a forma como os orçamentos dos serviços autónomos da Câmara, nomeadamente SEPAMP e ADA foram calculados e incorporados numa folha A4 de Excel, com o intuito estratégico de esconder a verdadeira situação financeira desses serviços. Não acredito que esses serviços, SEPAMP e ADA, conseguirão arrecadar 108.491.000.00 (cento e oito milhões, quatrocentos e noventa e um mil escudos) e 61.275.429.33, (sessenta e um milhão, duzentos e setenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e nove escudos e trinta três centavos) respectivamente. Assim, permita-me Sr. Presidente perguntar qual é o montante das receitas previstas para os mercados de: Sucupira, Cidade da Praia, Achadinha, Paiol, Vila Nova, Achada Santo António e Terra Branca?. Ou será que não foram orçados por mercados. Caso assim for é deveras sério e grave.

Alguns estudiosos da matéria orçamental costumam reagir às arbitrariedades que se cometem no processo de orçamentação, chegando a afirmar que o orçamento não é uma somatória casuística e isolada de números despido de qualquer sentido económico e financeiro, e outros analistas do sistema orçamental, defendem que o orçamento não é um saco vazio, onde tudo e todos deitam lixos sem regras, princípios e normas algumas. Por mim, tenho que a feitura de um orçamento obedece ao cumprimento de regras, normas, princípios, técnicas e procedimentos próprias, sob pena se obter uma somatória falsa, cujos fins são apenas para alcançar a igualdade aritmética dos números. Julgo que o orçamento em apreço peca pelas incongruências e pelas inverdades orçamentais. A sua aprovação pela Assembleia Municipal não pode ser um acto acabado e ponto final.
Ainda estamos a tempo. O Orçamento da CMP para 2010 merece ser refinado.

Euclides Eurico Nunes de Pina

Sem comentários:

Enviar um comentário