
Sem muita lida pude constatar que as técnicas econometricas não passaram por esse orçamento e como corolário algumas dúvidas brotaram instantaneamente. Normalmente, a prudência aconselha aos mais espertinhos a não usarem essa táctica, desprovida de qualquer sentido económico e financeiro, apenas para embelezar o discurso de ocasião e enganar os mais distraídos.
Um outro ponto que me chamou a atenção, logo à partida, é a questão do Plano Ambiental Municipal (PAM). O Senhor Presidente da Câmara Municipal da Praia, assim como todo o mundo sabe, o PAM surgiu num determinado contexto e actualmente não existe, visto que o projecto que sustentava esse programa chegou a seu término desde o primeiro trimestre de 2008. Portanto, não se compreende a teimosia do executivo camarário em apresentar nos orçamentos (de 2009 e 2010) essa rubrica, com o mesmo montante dos anos anteriores. Para 2010, o orçamento da Câmara da Praia traz a mesma verba, ou seja 14.000.000.00 (catorze milhões de escudos) como receita do PAM. O mais correcto, neste caso, é o executivo mandar deduzir o supracitado montante, que foi incluído erradamente, no capitulo das receitas correntes do presente orçamento.
Outra questão não menos importante tem a ver com rubrica “Contrato Programa” orçado em 10.000.000.00 (dez milhões de escudos). Que brincadeira de mau gosto, Sr. Presidente. Seria bom que explicasse aos praienses se chegou a assinar com o governo algum contrato nesse valor, bem como os motivos que o levam a bater na mesma tecla, já que há cerca de três anos que o município da Praia não assinou nenhum protocolo no âmbito do contrato programa. Esse contrato não existe e é uma ilusão e pura falsidade técnica incluir esse montante no orçamento. Assim, está-se na presença de uma situação de deficit orçamental. Citando apenas estes dois casos, é notório a existência de um deficit orçamental na ordem dos 24.000.000.00 (vinte e quatro milhões de escudos) no capítulo das receitas, o que viola flagrantemente a maioria das regras orçamentais, e sobremaneira a do equilíbrio orçamental.
Por outro lado, é bom lembrar que legislação que regula o sistema de segurança social em Cabo Verde estabelece que as entidades patronais devem contribuir mensalmente com quinze por cento (15%) dos salários brutos dos seus trabalhadores/funcionários com o propósito de cobrir os encargos sociais, enquanto que os trabalhadores entrarão com oito por cento (8%) dos seus salários, o que perfaz um total de vinte e três por cento (23%). O orçamento para 2010 da CMP, na parte que diz respeito aos encargos com a segurança social, torna evidente que os montantes previstos por Direcções de Serviços e Gabinetes não correspondem, nem de longe e nem de perto, aos quinze por cento dos ordenados/salários. Por isso, existe uma diferença abismal entre o valor patenteado no orçamento da Câmara e o valor que deveria ser orçado. Nesta óptica, às despesas correntes deve-se adicionar o valor que não foi contemplado no orçamento e que ascende a 22.195.058.00. (vinte e dois milhões, cento e noventa e cinco mil e cinquenta e oito escudos). Assim, está-se na presença de um outro défice orçamental e desta feita causado pela “sub orçamentação” das despesas correntes.
Resumindo, feita as observações pertinentes, torna-se patente que o orçamento da CMP para 2010 padece de um défice orçamental na ordem dos 46.195.058.00 (quarenta e seis milhões, cento e noventa e cinco mil, e cinquenta e oito escudos) conforme o quadro abaixo descriminado, défice esse que está escamoteado devido à “sobre orçamentação” das receitas de capital mais precisamente nas rubricas Fundo Ambiental Municipal e Contrato Programa no montante de 24.000.000.00 por um lado, e, por outro, “à sub orçamentação” das despesas correntes em 22.195.058.00, na rubrica contribuição para a segurança social. Trata-se de um orçamento falso, que não reflecte a realidade e muito menos a verdade orçamental.
De igual forma, o comportamento da rubrica “Remunerações Diversas”, tida normalmente como residual, não obstante os argumentos díspares, é bastante preocupante já que indicia que a mesma não foi orçada, mas sim enchida com valores atirados arbitrariamente sem o mínimo de rigor técnico. O mais ridículo é que várias direcções de serviços e gabinetes, nomeadamente o Gabinete de Informação e Comunicações, Gabinete de Apoio aos Vereadores e Gabinete Jurídico afiguram com o mesmo montante, ou seja 544.900.00 (quinhentos e quarenta e quatro mil e novecentos escudos) numa pura obra de “copy and past” descorando as técnicas orçamentais. No entanto, a Direcção de Promoção e Desenvolvimento da Cultura bateu o recorde com o montante de 10.010.328.00 (dez milhões, dez mil, trezentos e vinte oito escudos): Pergunta-se, para remunerar o quê e quem? Absurdo, não é!
Relativamente aos empréstimos de médio e longo prazo, o montante previsto ascende a 1.075.000.000.00 (um bilião, setenta e cinco milhões de escudos), sendo 600.000.000.00 (seiscentos milhões de escudos) para empréstimo obrigacionista, 300.000.000.00 (trezentos milhões de escudos) para novos empréstimos bancários a serem contraídos e ainda 175.000.000.00 (cento e setenta e cinco milhões de escudos) de empréstimos bancários após o saneamento financeiro e regularização das dívidas provenientes da década de noventa.
Na linha dessa política expansionista e desenfreada direccionada para a contracção de dívidas e, consequentemente, a hipoteca do município, tenho enormes reservas quanto à capacidade financeira da Câmara para honrar os seus compromissos. Convém precisar que o montante das prestações a pagar pela Câmara no quadro desse orçamento ascende a 106.024.078.00 (cento e seis milhões, vinte e quatro mil e setenta e oito escudos), dos quais 69.875.0000.00 (sessenta e nove milhões, oitocentos e setenta e cinco mil escudos) vai para juros bancários (encargos financeiros) e 36.149.077.00 (trinta e seis milhões, cento e quarenta e nove mil e setenta e sete escudos) vai para a amortização do empréstimos, o que difere substancialmente dos dados apresentados no orçamento pela Câmara. Pode-se questionar de novo o problema do défice orçamental já que esses encargos foram omissos neste orçamento por incúria da Câmara. Onde está o princípio da especialização do exercício quão importante na gestão financeira e que não deve ser negligenciado sob pena de se ferir a gestão financeira da Câmara?
O mais grave ainda é o caso dos investimentos, cujo montante ascende a 1.635.382.819.00 (um bilião, seiscentos e trinta e cinco milhões, trezentos e oitenta e dois mil e oitocentos e dezanove escudos). Ao tentar compreender a natureza e os mecanismos utilizados para orçar os investimentos, uma questão salta à vista. É a taxa de realização dos investimentos previstos para 2009. Como se sabe, os investimentos previstos para o ano ainda em curso está muito aquém do preconizado e situa-se à volta dos vinte por cento. Neste quadro, não se compreende o volume exorbitante dos investimentos para 2010.
Um outro pecado grave desse orçamento tem a ver com a forma como os orçamentos dos serviços autónomos da Câmara, nomeadamente SEPAMP e ADA foram calculados e incorporados numa folha A4 de Excel, com o intuito estratégico de esconder a verdadeira situação financeira desses serviços. Não acredito que esses serviços, SEPAMP e ADA, conseguirão arrecadar 108.491.000.00 (cento e oito milhões, quatrocentos e noventa e um mil escudos) e 61.275.429.33, (sessenta e um milhão, duzentos e setenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e nove escudos e trinta três centavos) respectivamente. Assim, permita-me Sr. Presidente perguntar qual é o montante das receitas previstas para os mercados de: Sucupira, Cidade da Praia, Achadinha, Paiol, Vila Nova, Achada Santo António e Terra Branca?. Ou será que não foram orçados por mercados. Caso assim for é deveras sério e grave.
Alguns estudiosos da matéria orçamental costumam reagir às arbitrariedades que se cometem no processo de orçamentação, chegando a afirmar que o orçamento não é uma somatória casuística e isolada de números despido de qualquer sentido económico e financeiro, e outros analistas do sistema orçamental, defendem que o orçamento não é um saco vazio, onde tudo e todos deitam lixos sem regras, princípios e normas algumas. Por mim, tenho que a feitura de um orçamento obedece ao cumprimento de regras, normas, princípios, técnicas e procedimentos próprias, sob pena se obter uma somatória falsa, cujos fins são apenas para alcançar a igualdade aritmética dos números. Julgo que o orçamento em apreço peca pelas incongruências e pelas inverdades orçamentais. A sua aprovação pela Assembleia Municipal não pode ser um acto acabado e ponto final.
Ainda estamos a tempo. O Orçamento da CMP para 2010 merece ser refinado.
Euclides Eurico Nunes de Pina
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